10 de janeiro de 2011

' Hoje apetece-me matar alguém.

Revolta-me que o meu futuro dependa, quer eu queira quer não, dos outros. Quando digo outros, digo os meus pais. Tenho a brilhante capacidade de me estar a cagar para o que os outros dizem, pensam e até querem de mim - amigos - mas sou particularmente sensível aos meus pais.

Ainda não tive oportunidade para saber o que quero da vida ao certo. Os planos, fizeram-nos todos por mim.  O meu pai já me fala em mestrado. O irónico disso é que muito pouco mudou desde o momento no 9º ano em que tive que escolher uma área para o secundário, até hoje, "quase" a terminar a licenciatura. Pouco sei do que quero e sei mais do que não quero.

Gostava de pegar em mim e desaparecer. Deixar um papel a dizer "adeus", mudar de número de telemóvel e apanhar o primeiro avião fosse para onde fosse. Tenho esta necessidade de me libertar porque me sinto presa, todos os dias cada vez mais. Presa ao facto de dever tanto aos meus pais. Presa ao facto do meu pai insistir em dizer que ainda está cá "nesta merda de país" (nisso concordo com ele), quando tem uma vida construída e podia voltar para Moçambique (que, sendo um país de 3º mundo, é melhor que isto), mas que está cá por minha causa e que por cá vai ficar até eu ter "a vida orientada". que vida orientada? pergunto... que vida orientada? Presa ao facto da minha avó, 20 anos depois, ainda me continuar a mandar à cara que fez muito por mim porque os meus pais foram trabalhar quando eu tinha 2 dias de vida e teve que ficar comigo, e que uma vez até estava no Alentejo e veio para Lisboa de propósito para tomar conta de mim porque os meus pais tinham que trabalhar numas férias quaisquer... isto só a título de exemplo, tantas outras que ela manda à cara, como quem diz que lhe devo quase a minha vida, porque ela fez X Y e Z por mim quando eu tinha 8 meses de idade. Presa ao facto de todos os dias a minha mãe chegar à nossa moradia de 2 andares e 2 quintais, depois de se ter esfalfado a trabalhar 14, 15 horas, e dizer "isto está aí uma grande crise, tens a vida muito facilitada, vê se dás valor, e já agora, desliga as luzes quando não precisas delas, todos os meses as contas da electricidade são astronómicas"... como quem diz "se temos a vida que temos é porque ela trabalha desde os 16 anos e construiu muita coisa".

Posto tudo isto, sinto-me presa... presa ao meu próprio sentimento de culpa. Quantas vezes eu já não pensei em largar faculdade, largar tudo, começar a trabalhar, juntar algum dinheiro, e fazer uma viagem sozinha? Mas depois vem o meu pai, com aquele ar de pobre sacrificado que tanto trabalhou na vida, e que "chegou a Portugal refugiado da guerra com 500 escudos no bolso, e fez pela vida e hoje tem um cargo numa das mais prestigiadas empresas de portugal e é um quadro-chave", ou whatever que aquilo que ele faz é... com aquela voz de quem diz que é tão infeliz aqui e que sempre fez tudo por mim quando podia ter cagado de bem alto e ter voltado para o país dele, onde era feliz e onde nem sequer teve oportunidade de se despedir dos pais e dos irmãos, e que eu agora chego e faço o que quero... ou melhor, o que "não está certo" para ele. Ou vem a minha avó e começa a chorar a dizer para eu nunca me ir embora porque vai ter saudades minhas (isto só de eu dizer que vou em erasmus 6 MESES!). Ou vem a minha mãe, dizer que isto não está tempo para me divertir, que tenho que acabar o curso e arranjar um "emprego decente" para sobreviver bem "à crise" e para ela "ver se descansa um bocadinho porque em 20 anos trabalhou mais do que muita gente em 30".

Porquê? Porque tem de ser assim? Felizmente, sim, tenho pais (e avó) que sempre fizeram tudo por mim e nunca me deixaram na mão. Nunca me faltou o essencial. Nunca tive lá muito bom ambiente em casa, tive padrastos que faziam tudo menos violar-me (vá lá), nunca lá tive grande estabilidade, mudei de casa umas 10 vezes, mas tive uma educação excelente, num dos melhores colégios de Lisboa, e uns pais que sempre me souberam transmitir os valores essenciais - e não falsos moralismos, atenção - da vida. Souberam construir-me as asas para voar, e agora, de uma forma bem indirecta e subtil, não me deixam voar.

Mesmo que eu ganhasse, um dia, coragem para desaparecer e partir em busca de mais nada sem ser de mim própria, eu vou estar sempre sempre sempre presa ao sentimento de culpa de ter tido uns pais decentes. Como que uma responsabilidade de lhes retribuir tudo o que fizeram por mim, o que me pesa demais.

Muitas vezes me pergunto: será que eles (meus pais) são felizes? Será que no meio da merda toda que eles dizem ter sido a vida deles, conseguiram encontrar algo que os fizesse mesmo feliz? Será que se chegaram a encontrar? Será que ainda hoje vivem com a pergunta "quem sou eu e o que quero da vida?"? Será que simplesmente se conformaram, habituaram-se à ideia? Será que se arrependeram de tudo o que fizeram, ou que têm orgulho? será? Será? Será?... Qual será a filosofia de vida deles?

Eis como vejo o futuro: o meu pai vai voltar para Moçambique quando se reformar e quando eu tiver a vida orientada. A minha mãe vai continuar a trabalhar 16 horas por dia, movida pela ganância, até não aguentar mais. A minha avó vai acabar por morrer (não quero que aconteça tão cedo) e eu vou deixar de ouvir boquinhas foleiras típicas de quem faz para mandar à cara depois. Nessa altura, o que vou ser eu, senão uma adulta, já com uma vida orientada, segundo os desejos sobretudo do meu pai, completamente conformada na minha vidinha medíocre, com filhos a quem terei que me dedicar sob pena de ser condenada como má mãe, e (sobre)viver o resto dos meus dias até à morte... Nessa altura, que vou ser eu, senão um ser conformado que sempre fez tudo segundo o que os pais queriam dela e que agora chegou àquele ponto da vida em que vive num arrependimento constante por não ter podido aproveitar enquanto podia, e por não ter-se dado a oportunidade a si própria de se encontrar, de se conhecer, antes de se dedicar a outrém (companheiro, filhos...)? Nessa altura, quem vou ser eu, senão absolutamente ninguém?

Tenho um enorme carinho, admiração (muita!) e respeito (muito!) por eles. Passaram por coisas na vida pelas quais nunca vou passar. E amo-os, amo-os tanto, incondicionalmente. É por amá-los assim que quase que os odeio. Amor e ódio, afinal, não são assim tão opostos e antagónicos. E não vou sentir-me mal por dizer que quase odeio os meus pais, porque, sentindo-me eu como se ainda tivesse 16 anos, uma adolescente que ainda não se descobriu a si mesma, então, estou na idade de dizer que os odeio.

4 comentários:

Anónimo disse...

É curioso que no geral, todos dizem que o país está na merda e etc. quando, a comparar com há 30/50 anos isto está uma maravilha.

e não estou a ser irónico.

Oiço o que os meus pais e avós me contam, não é preciso mais nada.

Menina disse...

Acredita que penso muitas vezes nisso..que nunca vou ser capaz de "pagar" tudo o que os meus pais fizeram por mim. E não é dizer aquela coisa de "pais são pais", porque muitos não fazem nem 1/3 do que sei que os meus fizeram.. Não só a nível financeiro, mas também em relação a apoio e ajuda, sempre que acham que é necessário(acredito que se não fossem eles, já tinha tido várias depressões. Ajudaram-me muito mais do que qualquer amigo, apesar de os ter também em grande consideração)

Já me apeteceu largar tudo, deixar tudo para trás e construir uma vida "nova" noutro sítio qualquer, mas sei que nunca teria coragem de fazer nada disso, por respeito e consideração pelos meus pais e por tudo o que fizeram e fazem para que tenha uma vida o melhor possível.

No nosso caso, em que temos a sorte de ter uns bons pais, acho que devemos pelos menos fazer um esforço para os orgulhar, sem deixar de pensar em nós próprias, claro.

beijinho*

Salsa disse...

o pais esta mal porque queremos.
claro que os teus pais encontraram a felicidade em algum momento da vida deles!
para isso basta ouvires a desfolhada da Simone.

Unknown disse...

já que falas em licenciatura, uma pequena coisinha que não tem muito a ver com o tema... a minha turma algures entre janeiro e fevereiro vai ao ISCTE :P pode ser que te veja por lá :D