6 de abril de 2010

' As Intermitências da Morte II

Pois que também acho que seria bem confuso se soubéssemos quando vamos morrer.

acho que havia várias formas de encarar a coisa: suicídio por não conseguir viver com a ideia de se saber quando se vai morrer, um mau-estar psicológico tão grande que obrigasse algumas pessoas a recorrerem a psicólogos e terapeutas; penso que ao mesmo tempo que tentaríamos viver tudo o que queríamos viver antes que o tempo se esgotasse, aquela coisa do "aproveitar a vida ao máximo", simultaneamente iamos pensar que talvez não valesse a pena, "what's the point se sei quando tudo vai acabar". talvez nos afeiçoássemos menos às pessoas por saber quando as íamos perder, talvez tivéssemos menos objectivos, ou então não, talvez tivéssemos mais ainda, talvez aquela coisa do "faço amanhã" ou "faço depois", "para a semana", "para o próximo mês", "para o ano" acabasse; talvez houvesse mais fé, talvez houvesse mais depressão, talvez, talvez, talvez, como a Di disse, "se calhar".

se calhar - ou melhor, de certeza absoluta - teríamos mais medo do facto de sabermos quando vamos morrer do que da própria morte em si, que é a única certeza que temos, no fundo.

“Imagine-se a perturbação, o desconcerto, a perplexidade daquele que ia para o seu trabalho e viu de repente saltar-lhe ao caminho a morte na figura de um carteiro que nunca tocará duas vezes, a este bastar-lhe-á, se o acaso não o fez encontrar o destinatário na rua, meter a carta na caixa do inquilino em questão ou introduzi-la, deslizando, por baixo da porta. O homem está ali parado, no meio do passeio, com a sua estupenda saúde, a sua sólida cabeça, tão sólida que nem mesmo agora lhe dói apesar do terrível choque, de repente o mundo deixou de lhe pertencer ou ele de pertencer ao mundo, passaram a estar emprestados um ao outro por oito dias, não mais que oito dias, di-lo esta carta de cor violeta que resignadamente acaba de abrir, que os seus olhos nublados de lágrimas mal conseguem decifrar o que nela está escrito, Caro senhor, lamento comunicar-lhe que a sua vida terminará no prazo irrevogável e improrrogável de uma semana, aproveite o melhor que puder o tempo que lhe resta, sua atenda servidora, morte. Duvida o homem, senhor fulano lhe chamou o carteiro, portanto é do sexo masculino, e logo o confirmámos nos próprios, duvida o homem se deva voltar para casa e desabafar com a família a irremediável pena ou se, pelo contrario, terá de engolir as lágrimas e prosseguir o seu caminho, ir aonde o trabalho o espera, cumprir todos os dias que lhe resta, então poderá perguntar Morte onde esteve a tua vitória, sabendo no entanto que não receberá resposta, porque a morte nunca responde, e não é porque não queira, é porque não sabe o que há-de dizer diante da maior dor humana. (As Intermitências da Morte)

“Morrer é, afinal de contas, o que há de mais normal e corrente na vida, facto de pura rotina, episódio da interminável herança de pais a filhos pelo menos desde Adão e Eva.” (As Intermitências da Morte)

“Filosofar é aprender a morrer” (As Intermitências da Morte) 

AMEI o livro (apesar do "tema" não ser o de sabermos quando vamos morrer, mas sim da morte personificada que deixa de matar, e num país toda a gente deixa de morrer, até que a morte se apaixona por um ser-humano. genial!) :)

Muaah @

5 comentários:

Mi disse...

Esses excertos abriram-me o apetite, sem dúvida, genial!
kiss

João Chaleira disse...

(Ena ena estou a comentar)

Existe um filme (Nunca é Tarde Demais) que que acaba por falar um pouco sobre isso.

Nunca gostei de Saramago. No único livro dele que li os erros de sintaxe eram uma constante, não consegui acabar aquilo.

Olhos Dourados disse...

Não ia ser nada fixe.

Anónimo disse...

Eu só sei que não gosto de Saramago,

por isso acho que estas a ficar daltónica.

Botas disse...

Um dos teus livros favoritos.

=P

<3