1 de fevereiro de 2011

' O meu orgulho, a minha gratidão, o meu arrependimento.


Adoro música clássica.

Desde pequena que o meu pai me pôs a ouvir música clássica. Quando passava fins-de-semana com ele, era dia e noite, porque ele sabia que em casa da minha mãe o nível de cultura era zero e só víamos novelas da SIC e ele não queria que eu crescesse inculta e culturalmente pobre. Eu gostava mas dizia que não. Dizia para ele tirar. Trancava-me no quarto. Ficava a apreciar, o meu pai ficava triste por achar que eu não gostava. Porque é que eu não conseguia admitir perante o meu pai que gostava disto? Não sei, sinceramente. A única explicação lógica é que não é suposto uma adolescente de13, 14, 15 anos gostar de música clássica e eu tinha uma certa vergonha disso. Mas antes dessa idade, não sei porque dizia sempre que não gostava.

O meu pai sempre apostou muito na minha formação musical. Eu tive aulas de formação musical, de canto, de coro, de piano, de tudo e mais alguma coisa. Era uma escola particular de música dentro de um colégio privado, imagino o caro que não devia ser. Imagino o esforço que ele não devia fazer para me proporcionar aquelas aulas.

Eu adorava as aulas. Adorava sentir as teclas do piano. Adorava (tentar) cantar e ainda bem que o auditório onde tinha aulas não tinha vidros. Adorava as aulas de formação musical em que ouvíamos coisas belíssimas como esta (La Traviata) e tínhamos de fechar os olhos e ouvir e depois escrever num papel o que tínhamos imaginado - através de uma história, por exemplo - ou as sensações que nos tinha transmitido.

Quando chegava a casa e tinha trabalhos de casa chatos como ter que ler e interpretar pautas, odiava. Por isso quando chegava a hora das avaliações (por exemplo, ter de cantar a partir de uma pauta, só com o piano por trás, ou pegar numa música e saber conceitos como crescendo, ou dó menor, etc etc, conceitos técnicos) tinha sempre péssimas notas. Não importa. O essencial ficou. O meu gosto musical, o meu ouvido apurado, o saber distinguir quando uma música tem qualidade ou não independentemente de gostar dela (também oiço e gosto de muitas músicas que não valem nada, mas tenho consciência disso) - isto pode soar à convencida mas acredito que fiquei com uma boa base e NÃO, não acredito no lugar-comum "gostos não se discutem". Discutem-se, pois. E educam-se.

Nunca fui muito de ir procurar as razões, sempre fui mais de me ficar pelas sensações. Prefiro contemplar uma flor do que saber como ela funciona, como ela sobrevive, ou o que a constitui. Prefiro ler um bom texto do que interpretar, analisar, ver se está bem escrito, se tem erros, se cumpre todas as regras. Com a música não é diferente. Prefiro ouvir uma música e entrar num mundo completamente aparte do real - porque é isto que a música faz em mim, há muitas pessoas que simplesmente ouvem e "gostam", mas eu vivo a música - do que ler pautas.

Por isso me queixava tanto.

O meu arrependimento é ter-me queixado tanto ao ponto de dizer ao meu pai que ele me obrigava a ter aulas. O meu arrependimento é ter dado tantas vezes a entender ao meu pai que não gostava disto, que não gostava de boa música, de música com qualidade. O meu orgulho é ter o pai que tenho. Que sempre investiu em mim. Que bem me podia ter deixado continuar a ouvir o lixo de música que passa na Cidade FM sem me dizer, de todas as vezes, que aquilo não prestava para nada - e não prestava. A estação de rádio podia ficar no mesmo sítio, porque eu realmente gostava daquela música ou às vezes  nem gostava mas só para contrariá-lo, enquanto adolescente (que adolescente não contraria os pais?), mas eu tinha consciência que o meu pai tinha toda a razão. A minha gratidão vai inteiramente para ele. Muitas vezes ele me disse "um dia, vais compreender porque invisto tanto nisto e que só é para teu bem". Hoje, compreendo. Pois tenho a certeza que ele me compreendeu de todas as vezes em que eu fui uma ingrata do pior e não soube dar valor ao que tinha e às oportunidades que ele me deu.

Hoje, ele sabe. Já passei aquela idade estúpida em que gostar de música clássica é vergonha! Hoje, o meu pai está contente. Eu fico feliz por ele ficar feliz por perceber que todo o esforço dele valeu...muito a pena.

3 comentários:

Menina disse...

Também eu gosto..os meus pais (essencialmente mãe, professora de música e avó materna,violoncelista de profissão)punham constantemente discos em casa, levavam-me a alguns concertos, etc.. e pelo facto de ter andado tantos anos no ballet, uma vez que está muito ligado também com a música clássica.

Eu não passei pela fase de dizer que não gostava e,por isso mesmo, muitas vezes fui gozada na escola lol Mas, como tinha as amigas do ballet que gostavam tanto como eu, não tinha problemas =)

É mesmo óptimo que o teu pai tenha feito esse esforço de "educar" o teu ouvido, de ouvires de tudo, mas saberes distinguir boa música de tretas.. É uma coisa que fica para a vida =)

beijinho*

Anónimo disse...

Discutem-se e educam-se! Sem dúvida. Não percebo essa coisa dos "gostos não se discutem". Isso diz-se quando se quer travar a conversa.
És como eu, tens ouvido apurado. A mim sempre me disseram que eu era tipo esponja no que toca a música. Decoro letras ao ouvir a música uma ou duas vezes, consigo destinguir perfeitamente os instrumentos, adoro todo o tipo de música (e já que gostas de clássica, já ouviste a madame butterfly? Acho que ias adorar!).

Já tinha saudades de cá vir.

Beijo*

Botas disse...

Tu não ouves, nem escutas, tu sentes.=)

<3