A minha avó tem estado no hospital. nada de grave (só porque quando conto isto a alguém, olham para mim logo com "cara de pena", e eu detesto isso), para a idade que tem está muito bem.
tenho ido visitá-la, e hoje assisti a uma das cenas mais humanamente decadentes que já vi na vida.
uma das senhoras que estava no mesmo quarto, estava sempre a falar ao telemóvel com, pelo que percebi, a filha. a dizer coisas como "não faças isso", "eu só quero o teu bem", "é tudo para ti, não te preocupes"... esteve o tempo todo nisso, no fim acabei por perceber que a senhora tinha um cancro espalhado por todo o corpo e que dificilmente ia ter possibilidades de sobrevivência, e a filha dela (ÚNICA, filha única, note-se) estava a atormentá-la por causa... do testamento. começou a chorar desalmadamente e até a enfermeira teve de ir lá acalmá-la.
sem palavras, né?
saí de lá completamente deprimida, não só por perceber ao que algumas pessoas chegam, mas por outras duas questões:
1 - tenho questionado bastante a questão da mortalidade. nunca tive de lidar com ela de perto, nunca tive familiares próximos que me morreram (só o meu avô, mas eu era tão pequena que mal me lembro)... não que a minha avó esteja assim tão mal, porque do que eu vi no hospital inteiro era a que estava melhor e continua cheia de energia e quê, ainda assim, questionei-me... como é que eu ia lidar com uma situação de morte? entro em negação só de pensar, "isso não vai acontecer", ou "não vai acontecer tão cedo", invento desculpas para mim mesma para não sofrer por antecipação e simultaneamente, enquanto as tento arranjar, já sofro por antecipação. como é que eu ia lidar com uma coisa dessas? o que é que eu ia sentir? será que eu ia chorar? será que não e por isso me ia sentir uma pessoa horrível? será que ia entrar em choque? em negação? será que ia entrar em depressão? será que ia ficar com remorsos por não ter sido a melhor neta do mundo e ter sido apenas o melhor que sempre consegui? como será que eu ia reagir? ia ser uma horrível primeira experiência. e o pior não é pensar no "ia" ou no "se", é o pensar no "vai", nem que seja daqui a 10 anos, mas "vai", porque ninguém é imortal e a minha avó e os meus pais vão acabar por morrer, provavelmente antes de mim.
A segunda questão é a questão de como o corpo humano se degenera. como quando somos jovens/adultos achamos que nada nos vai atingir, nunca nada nos vai acontecer, somos os mais fortes à face da terra, podemos correr riscos, ter comportamentos de risco, podemos fumar (tabaco e não só), beber, comer nutela directamente do frasco e comidas que só fazem mal e continuamos cheios de energia e cheios de saúde, e que nunca (nunca!) vamos envelhecer e que nunca ninguém vai precisar de cuidar de nós e depois... chegamos ao estado em que eu vi muitas pessoas hoje... sim, já tinha pensado nisso, no processo do envelhecimento, e tudo isso (sou uma pessoa que pensa em tudo na vida), mas ver de tão perto fez-me confusão. a maior parte das senhoras que estavam no mesmo quarto que a minha avó, estavam outra vez naquilo a que eu chamo de estado-bebé. a ter que dar papas, mudar fraldas, só a dormir o dia todo, já sem conseguir falar, só monossílabos... enfim, igual aos bebés. depois de ver isso pensei em duas coisas: primeiro, medo. medo de chegar àquele ponto. medo de já não conseguir fazer nada, voltar a ser uma bebé, ser um fardo para alguém; nunca quero chegar a isso, uma vez na vida (quando era mesmo bebé) chegou. segundo, eu nunca conseguiria ser qualquer coisa como médica ou enfermeira, se tenho ido lá por uma hora ou uma hora e meia alguns dias e saio de lá sempre deprimidissima e introspectiva e a questionar tudo na vida (mas hoje foi o pior dia). e sim, eu sei, agora vem a pergunta cliché, "ah e tal mas estás a estudar psicologia e quando fores psicóloga vais ter que lidar com pessoas com problemas como depressões e como vais conseguir ser imparcial?". isso é outra questão. não sei se quero ser psicóloga. mas isso fica para falar noutro dia.
por cima disso tudo, pensei para comigo mesma... porra, eu vivo num mundo cor-de-rosa!! sei que há tanto mal no mundo e crianças a morrer de fome e guerras e etc etc, mas eu vivo no meu mundinho cor-de-rosa onde nunca de mal me aconteceu, onde nunca tive de ver coisas péssimas (como as que passam na tv) de perto, onde nunca me aconteceu nada de mal à saúde, onde nunca estive num hospital internada, nunca tive deprimida, nunca enfrentei a morte de perto e já tenho 20 anos (quer dizer, a maior parte das pessoas com a minha idade já enfrentou uma morte próxima, acho...). vivo no meu mundinho cor-de-rosa e se, por um lado, é bom, por outro, é péssimo. ao mesmo tempo que penso que tudo na vida é finito e completamente efémero e que um dia eu sim vou estar no lugar da minha avó (que está fartíssima de estar lá e só quer ir para casa), ou que um dia, de um minuto para o outro, me pode acontecer algo realmente terrível, só me faz querer tirar o máximo proveito da vida e do meu mundo cor-de-rosa. depois fiquei a sentir-me fútil e superficial, género "porra, podia dedicar a minha vida a ajudar os outros", mas porque é que eu nasci tão egoísta, prefiro dedicar a minha vida a aproveitá-la porque ela, tal como eu a conheço, pode acabar. sim, sou egoísta!! muito...
provavelmente muitas pessoas vão interpretar isto como um texto insensível e que eu sou uma pessoa horrível por ter medo da velhice ou assim... e que sou uma pessoa horrível porque nunca iria para uma profissão tipo enfermeira ou auxiliar de enfermeira porque colocava o meu bem-estar (não estar constantemente deprimida) sob fazer algo pelos outros... (opa, mas quem me lê há algum tempo sabe que não sou uma pessoa solidária nem nasci para ajudar os outros, epa sou assim pronto)... mas não é nada disso. respeito muito os idosos e quem me dera a mim chegar à idade da minha avó (provavelmente não, tenho um estilo de vida muito mau,lool). Eu simplesmente tenho esta tendência para racionalizar as coisas que me deprimem; acho que é uma forma de ficar menos triste ou de não ficar triste de todo, racionalizo antes de me deixar levar pelo sentimento. hoje não foi um desses dias, só me apetecia chorar, quando apanhei o autocarro, quando saí de lá e fui lá de manhã e agora ainda estou a pensar em todas essas coisas. e mais 1000.
enfim...
só para aliviar um pouco o ambiente, que eu não gosto de coisas tristes: é mesmo verdade, a comida do hospital é MUITO MÁ. é pior que os meus cozinhados, que já só por si são péssimos mas sempre têm algum tempero =P
Muaah @
aparte: o texto está um pouco mal escrito porque eu simplesmente cheguei aqui e, sem pensar num título, ou em parágrafos, ou numa construção de frases minimamente aceitável, simplesmente escrevi o que me ia na cabeça. e assim no fim ficou autêntico mesmo com os erros todos, por isso não mudei.