Eu já estava mentalizada que o meu único remédio era meter-me num call-center, a aturar pessoas chatas que ligam por causa de avarias, ou a ser eu a chata e a ter de ligar para casa das pessoas a vender coisas. detesto falar ao telefone (não sei porquê), e um call-center seria o meu pior pesadelo, no entanto, na net não encontrava mais nada em part-time sem ser isso...
Fui a entrevistas e mais entrevistas, estava desanimada, sabia que me ia meter numa coisa que me ia arrepender mais tarde ou mais cedo, ficar 4 ou 5 ou às vezes 6 horas a fazer algo que detesto por uns míseros 300euros ao fim do mês... mas não estava em posição de ser esquisita nem picuinhas, estou nas lonas no que toca a dinheiro. Além disso detesto aquelas empresas de trabalho temporário... tratam as pessoas como se fosse números, ou máquinas de fazer dinheiro. Não se preocupam minimamente com as necessidades dos trabalhadores, "quem está mal que se mude", mas, pior, eles estão completamente a cagar-se para nós. Quantas vezes não me chamaram e ficavam altamente surpreendidos por eu "Não ter experiência em call-center", com o ar mais escandalizado do mundo, como quem diz "se não tens experiência em call-center porque vieste cá", quando está estampado no meu CV que NÃO tenho experiência em call-center. então mas estão parvos ou quê? enviei o meu CV para quê? para gastar papel? não podem dar pelo menos uma vista de olhos 5 minutos antes da entrevista? e o que fizeram ao Bruno? fizeram-no gastar montes de dinheiro para ir a 4 - QUATRO - entrevistas, e na última, quando era suposto dizerem-lhe se ficava ou não, disseram só "ligamos se ficar, mandamos mail se não ficar, ainda hoje". passou uma semana e ele ainda está à espera do email.
Andei em Gestão de Recursos Humanos. Foi só um ano, aliás, mal foi um ano, que eu estava a cagar-me para aquilo, mas sempre aprendi alguma coisa. E se houve coisa que aprendi é que as pessoas precisam sentir-se seguras e úteis à organização, não pessoas descartáveis e substituíveis e simples meios humanos para atingir lucros. Quando as pessoas se sentem úteis e "appreciated", elas tendem a ter uma melhor performance, o que é obviamente bom para a empresa, e isto está estudado e comprovado empiricamente. Essas empresas de trabalho temporário só fazem perder o tempo das pessoas e não respeitam ninguém.. "ah e tal não tem experiência em call-center", eu penso sempre para mim mesma, primeiro: há formação; segundo: se não tenho experiência por algum lado hei-de começar, não? já para não falar que nos fazem perder dinheiro, tempo e paciência (sim, que eu detesto dinâmicas de grupo, digo desde já, aquilo faz-me lembrar reuniões de alcoólicos anónimos, "olá eu sou a Cláudia") e muitas vezes fazem-nos ir lá váááárias vezes, e depois nem ai nem ui, nem sequer um "não" por email! god...
Mas, adiante. Andava eu nessas vidas, até que, uma bela noite, surgiu-me a ideia de colocar no "search" daqueles sites de classificados, "part-time Belém" ou "part-time Restelo", enfim, part-times que ficassem perto de minha casa. Encontrei um anúncio que dizia "part-time na área do turismo, pode ser jovem universitário, 1 a 4 horas por dia". Confesso, ao início pensei que fosse daquelas tretas que aparecem aí, "trabalhe a partir de casa e fique rico!", "fique rico só de clicar em anúncios, é só uma hora por dia!", e outras tretas do género, por estar escrito "1 a 4 horas por dia". Mesmo assim, dei o benefício da dúvida e enviei o meu CV. No dia a seguir recebi mail deles a perguntar a minha disponibilidade para marcar reunião, eu disse o dia e a hora a que me dava mais jeito - isto é um bom presságio, eles deram-me a opção de ir à entrevista quando me desse jeito, e não fixaram uma hora, como nos outros sítios. Presságio porquê? Veremos mais adiante.
O dia e a hora chegaram, saí de casa 20 minutos antes e cheguei lá 5 minutos mais cedo, há algo melhor do que um trabalho a 15 minutos de casa? Ouro sobre azul, pensei. Primeira entrevista, era um velhote (nos seus 70 anos) mas todo para "a frentex" com uma genica que só ele, e a filha dele, falaram, falaram, falaram, a entrevista durou (só) 2 horas. Gostaram de mim. Disseram que de todas as respostas só me tinham chamado a mim porque "deduziam pelo CV que eu era responsável e matura" (o meu CV está brutal, modéstia à parte). Marcaram para o dia seguinte. Dia seguinte, que foi hoje, eu estava lá.
FIQUEI COM O TRABALHO. Quando, ao fim de apenas 2 horas, alguém diz que eu fui "excepcional" é muito bom.
Em que consiste, perguntam vocês? Ou não, porque isto não tem interesse nenhum para as vossas vidas. Aquilo é uma "empresa" familiar, tudo entre família, só têm uma rapariga que como eu é "de fora". Têm ar de ser ricos, têm apartamentos na zona da Baixa e alugam-nos a turistas. O que eu faço é basicamente gerir a carteira de clientes. Ir ao email, responder aos mails, fazer reservas, arquivar emails importantes, manter o contacto, etc etc.
O que isto tem de bom é que: é simples (aprendi a mecânica da coisa em 2 horas, hoje, por isso é que ele achou "excepcional", porque achava que eu ainda ia demorar mais tempo, mas felizmente sou uma pessoa de rápida e fácil aprendizagem), é de certa forma interessante, é uma coisa que eu até nem desgosto, já para não dizer que gosto (adoro organizar, arquivar, reservar e tudo o que tem a ver com tarefas de secretariado!), pagam-me o mesmo que me pagariam num call-center.... mas o melhor, o melhor de tudo? NÃO TENHO HORÁRIOS. Ou seja, o trabalho tem que aparecer feito, mas eu não tenho de "picar o ponto" a nenhuma hora específica. O que o senhor quer é, basicamente, uma assistente pessoal que trata das tarefas mais burocráticas porque, segundo ele, "já está a ficar demasiado velho para isso e atrapalha-se com os computadores". Obviamente que não ando ai ao deus-dará. Há um local de trabalho e de vez em quando eu tenho de passar por lá. Mas, pelo que vi hoje, não é mais do que duas horas por dia, se numa hora (no máximo) eu respondo aos emails desse dia, arquivo os mais importantes, envio informações, preços, disponibilidade... Ele próprio disse, "isto é muito simples, não é nada do outro mundo, não há um horário específico a cumprir, umas vezes mais horas, umas vezes menos, conforme o que aparece, o tempo não interessa, o que interessa é que o trabalho seja feito, mesmo que, por exemplo, um dia não possas ou não queiras vir e o faças a partir de casa, pelo email" (REALLY?! há melhor que isto?), às horas que eu quiser, nos dias que me der mais jeito. Por exemplo, ontem fui sair e sabia que ia chegar super tarde a casa, por isso liguei a ele para adiar a nossa "2ª reunião" para as 12h em vez de para as 11h como tinha ficado combinado, e ele para além de levar na boa, ainda me perguntou se eu não queria ir só mais tarde, era como me desse mais jeito! Isto acontecia em mais algum lado? Nunca! Entrava àquela hora e ponto final. Se quisesse dormir, que não tivesse ido para a rambóia. (e eu a achar que teria de abdicar da minha vida social quando começasse a trabalhar).
Isto parece demasiado perfeito, claro. Eu até já tentei encontrar defeitos, mas não consigo. Se calhar estou iludida, mas até agora parece-me óptimo.
Além disso, aquilo é muito boa gente. Hoje tive de ir trabalhar para o escritório de casa do senhor, porque ele não tinha internet no escritório. Nunca vi tal preocupação na minha vida: se estava confortável, se me ajeitava com o computador, se queria almoçar (quando chegou a hora do almoço), se tinha frio, se tinha calor, para "não fazer cerimónia, porque estamos em família", enfim... O senhor - e a filha - pessoas super descontraídas, mas educadas ao mesmo tempo, com classe mas não de "nariz empinado", enfim, a expressão certa para o que eu vi ali é: SUPER BOA GENTE! Senti-me, literalmente, em família... alguma vez eu iria sentir isso num call-center?
Eu não sei como me caiu do céu algo assim, juro. Um part-time em que eu não recebo assim tão mal, tendo em conta que é part-time, que não tem horário fixo - ele simplesmente me pergunta "a que horas dá jeito amanhã à Cláudia", e tanto pode ser às 8h como às 12h como às 16h, e tanto posso ficar lá 3 horas como só meia-hora, lá está, conforme me dê mais jeito - com muitas coisas que posso fazer em casa ou onde quer que esteja com um computador e ligação à net, em meia-hora... é, portanto, perfeitamente conciliável com aulas e com tudo o mais que eu queira fazer no dia-a-dia, até já pensei que com isto era possível eu ter um outro part-time fixo, dava tempo para os dois, mas também não quero abusar, um chega. e também adoro o facto de não ser pago por horas de trabalho, porque normalmente nestas cenas é "recebes as horas que trabalhas", mas não, ele estabeleceu um valor fixo, quer eu trabalhe 20 horas por semana, 30, 40, ou 7 (1h por dia). o trabalho só tem de aparecer feito, de preferência sem falhas (como por exemplo reservar dois clientes para o mesmo sítio e mesma data - eles dizem que é a pior falha que eu posso cometer). Mas como eu sou responsável e altamente organizada (e quem me conhece, sabe disso), é muito difícil que eu deixasse escapar uma coisa dessas. Estou confiante em mim mesma e eles também pareceram estar.
Resumindo e concluindo: não é o trabalho ideal para mim, porque obviamente não vejo o meu futuro nisso. Mas, tendo em conta as circunstâncias e o contexto em que me encontro agora, um part-time com horário (mais que) flexível, um ambiente de trabalho que eu nunca vi na vida e a questão do próprio trabalho ser simples e fácil e rápido de realizar, é quase perfeito. É mesmo perfeito. "Aliciante e motivador". Foi como se eu tivesse escrito um texto a dizer aquilo que eu queria exactamente nesta altura, sendo estudante universitária e querendo investir no meu futuro, no meu erasmus, nos meus projectos, nas minhas coisas, mas ao mesmo tempo querer ter tempo para mim, e fazer aquilo que, dentro do possível, gosto e me é fácil realizar, e alguém tivesse pegado nisso e tivesse fabricado um trabalho feito à medida.
Muaah @
A Vera diz que eu "Nasci com o cu virado para a lua" e que tenho uma sorte que só ela, eu acho que tenho sorte porque as oportunidades aparecem-me sim, mas eu também vou atrás delas, há ai muito mérito e trabalhinho meu.